“Eu matei os neurônios do meu filho” – A palestra que virou lei
Entrevista com a jornalista Larissa Carvalho – por Leonardo Calcerano, especial para o Mãe Que Ama
Em maio de 2021, o PL 5.043/2020 foi sancionado, o que vai transformar e ampliar, nos próximos anos, o Teste do Pezinho no Brasil. Essa já era uma luta antiga de muitas mães brasileiras e do Instituto Vidas Raras, organizador da campanha Pezinho no Futuro, mas uma história contada no TEDxPUCMinas com o nome “Eu matei os neurônios do meu filho” foi a impulsionadora de rápidas transformações. O relato de uma mãe logo alcançou mais de 1 milhão de visualizações em cinco dias e comoveu todo país. No vídeo, a jornalista Larissa Carvalho, embaixadora da Pezinho no Futuro, conta como fez da sua causa uma luta: transformar o Teste do Pezinho do SUS.
Abaixo, segue a conversa do Leonardo Calcerano, organizador licenciado do TEDxPUCMinas, junto com a jornalista Larissa Carvalho. Uma entrevista cedida especialmente para o Instituto Vidas Raras e para o Mãe Que Ama, canal oficial da campanha pela ampliação do teste do pezinho no SUS para todo o Brasil. Confira!
1) Para quem não te conhece, quem é a Larissa Carvalho?
Eu sou Larissa Carvalho, tenho quase 45 anos. Tenho algumas causas na vida. Eu desejo muito sempre ter a oportunidade para contar histórias na televisão que de alguma forma melhorem a sociedade, sobretudo as causas ambientais, as causas de pessoas com deficiência e tudo mais que desperte na gente um senso de que é preciso ter mais justiça. Eu sou a última filha de quatro irmãos. Tenho um pai do meio rural, o que me dá muito orgulho porque acredito no setor agropecuário no Brasil. Minha mãe morreu eu era pequena, morreu muito jovem, com 42 anos e eu tinha 10 anos. Ter ficado órfã muito nova acho que fez de mim essa pessoa meio sobrevivente e combatente. Foi muito triste mas também moldou a minha personalidade para me preparar para os desafios que a vida me trouxe.
2) Como você conheceu o TEDx? E como foi seu primeiro contato com o evento?
Eu conheci o TEDx assistindo as palestras nas redes sociais, na internet. Me encantei especialmente com uma, da Lau Patrón, que falava sobre “A solidão das mães especiais – seja rede, seja aldeia” (TEDxUnisinos). Ela (Lau Patrón) é ativista das famílias e das crianças com deficiência. E aquela palestra me absorveu, eu me vi naquilo. Porque apesar de eu ter uma rede fortalecida, só quem tem uma criança com deficiência sabe o quanto a gente enfrenta uma solidão todos os dias. É a gente mesmo que tem que resolver, dar conta, tomar frente, brigar, proteger, cuidar, e, ainda, tentar se cuidar, para viver bem. Foi a partir daquela palestra que eu desejei muito participar de um TEDx. E eu procurei fazer essa palestra no TEDxPUCMinas (evento licenciado organizado por Leonardo Calcerano).
3) E como conheceu o TEDxPUCMinas?
Comecei a seguir o TEDxPUCMinas nas redes sociais, eu entendi como era o movimento. Eu entendi que eu deveria ter uma história que merecia ser compartilhada. E a ideia de tentar mudar o Teste do Pezinho para salvar crianças, eu acreditava nela como uma história que deveria ser compartilhada. A história do Theo, a minha, da minha família, merecia ser compartilhada para evitar a dor de outras famílias, para evitar a tragédia na vida de outras crianças. Vi que teria uma reunião do TEDxPUCMinas, na PUC Minas, no campus Coração Eucarístico. Era um encontro informal (TED Circles – hosted by PUC Minas) e foi lá que tive o primeiro contato. Era noite, eu deixei meus filhos com meu marido – na época eu era casada. Foi uma logística para mim estar lá, naquela hora da noite. Demorei a achar o auditório, mas eu persisti. E lá foi a primeira vez que falei para um grupo, um grupo pequeno, sobre a ideia que eu achava que merecia ser compartilhada. E foi aí que eu dei esse primeiro passo junto com o TEDxPUCMinas.
4) Após a palestra ser publicada, em meados de 2020, o que aconteceu que mais te impactou? Como foi lidar com toda essa exposição?
Depois que essa palestra do TEDxPUCMinas foi publicada (no canal TEDx Talks do YouTube) mudou absolutamente tudo. A história do Theo já tinha sido contada em muitos jornais, muitas revistas, por mim mesma, em várias reportagens na Globo. Mas no TEDxPUCMinas, depois que a palestra foi ao ar, teve uma quantidade de visualizações totalmente inesperada. Eu sabia que era uma história que iria comover, eu sabia que era uma história que tinha boa chance de viralizar, como dizem, né?! Mas eu não imaginava que fosse ser na proporção que foi, mais de um milhão de visualizações em cinco dias.
E esse “foguete” lançado trouxe muita luz para a história do Theo, ganhei fortes aliados na luta. Angélica, Fátima Bernardes, a atriz Juliana Silveira, Ingrid Guimarães, entre outras tantas. E pessoas anônimas também, que começaram a compartilhar e compartilhar… Muitas blogueiras, muitos médicos, muitos alunos de medicina, pediatras, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, mães de crianças com deficiências. Com isso, foi surgindo uma corrente para atingir o grande objetivo que eu tinha, que era conseguir as assinaturas para mudar o Teste do Pezinho. Saímos de pouco mais de 200 mil assinaturas e saltamos para quase 600 mil em cinco dias, na petição “pezinhodofuturo.com.br”, que foi a petição pública organizada pelo Instituto Vidas Raras para alcançar um milhão de assinaturas e mudar o Teste do Pezinho por iniciativa popular. Paralelamente a isso, muitos políticos também começaram a se manifestar. Muitos vieram me procurar para dizer que queriam fazer um projeto de lei, que não iriamos precisar de um milhão de assinaturas, que iriam fazer um projeto de lei que iria mudar o Teste do Pezinho. Projetos de lei já haviam sido apresentados ao longo dos últimos anos, mas acho que diante da comoção que o vídeo “Eu matei os neurônios do meu filho” provocou deu ainda mais força ao projeto de lei. Esse projeto (PL 5.043/2020) tramitou na Câmara dos Deputados e no Senado Federal com votação unânime.
O que contou para mim não foi ter mais exposição, eu, Larissa, a mãe, a jornalista. O que contou para mim foi a satisfação da história do Theo ter mais exposição. Porque quanto mais gente souber dessa história, mais chance a gente vai ter de mudar o Teste do Pezinho e alertar os pais que existe um teste na rede particular que é mais completo. Então, isso tudo me impactou com muita felicidade, animação e envolvimento com a causa.
5) Vários projetos de lei foram criados após a palestra ser publicada. Quais iniciativas públicas aconteceram depois da palestra? Quantos projetos de lei e propostas por quem? Iniciativas no judiciário?
Muitos projetos de lei já tinham sido apresentados na Câmara dos Deputados, mais de 10 projetos nos últimos 15 anos. Nenhum nunca havia sido aprovado. Depois do TEDxPUCMinas, eu soube de mais 6 projetos e um deles foi aprovado (PL 5.043/2020), do Deputado Federal Dagoberto Nogueira Filho (PSD), do Mato Grosso do Sul. A Câmara de Deputados e o Senado Federal realmente se mobilizaram muito.
6) Quais são os próximos passos para essa causa virar lei? O projeto de lei aprovado, sendo sancionado, em quanto tempo esperam ter resultados práticos?
A presidência da república sancionou o projeto de lei no dia 26 de maio de 2021 e agora é lei. A partir de agora, o Ministério da Saúde tem um ano para colocar o Teste do Pezinho Ampliado em prática, seguindo as fases de implementação de cada grupo de doenças. Se tudo der certo, em aproximadamente cinco anos teremos um Teste do Pezinho que vai rastrear 53 doenças ao invés de somente seis doenças como é no exame atual. Isso porque o projeto de lei prevê que essa ampliação seja escalonada em quatro partes. Então, daqui cinco anos, se der tudo certo, teremos um Teste do Pezinho muito mais completo.
7) Em estimativa, quantos bebês e/ou famílias poderão ser impactados no Brasil?
A cada 2.500 bebês que nascem, um deles vai ter uma doença que o Teste do Pezinho de hoje não diagnostica. E com isso esse bebê terá sequelas. Então, basta fazermos a conta de quantos bebês nascem no Brasil e teremos o resultado de quantos bebês serão salvos todos os anos. Essa é a conta.
8) Foi produzido um documentário no Globoplay sobre o tema da sua fala no TEDxPUCMinas. Poderia falar um pouco mais sobre esse documentário?
O documentário chama “Uma gota de esperança”. É produzido totalmente pelo jornalismo da Globo Minas e conta a história do Theo para mostrar como o Teste do Pezinho precisa mudar. E junto com a história do Theo tem também a história de outras crianças que perderam as chances de viver plenamente a infância, a vida porque as famílias não souberam o que fazer, o Teste do Pezinho não rastreou a doença então o tratamento não começou na hora certa e elas acabaram tendo sequelas. “Uma gota de esperança” também mostra a experiência inversa de mães que tiveram os filhos salvos porque elas fizeram o Teste do Pezinho Ampliado na rede particular de saúde. Esse Teste do Pezinho ampliado mostrou para essas mães a doença do filho. A gente conheceu crianças que têm a vida absolutamente típica, sem deficiência em função de um exame mais completo, eficiente.
Não é um documentário triste. É claro que eu choro muito, é difícil reviver todos os segundos de toda essa trajetória com o Theo e ver também quantas crianças estão na mesma situação que ele. Por outro lado, também é um documentário de esperança, de protesto, de saúde pública e de alerta. Conta também com a participação do Instituto Vidas Raras, que luta pela causa há muitos anos. É um documentário necessário, por isso alerta as famílias e cobra de quem pode fazer alguma coisa pelo Teste do Pezinho.
9) Como estão o Theo, o João e Mariana? Eles têm noção da proporção que a causa do Teste do Pezinho alcançou?
O João e a Mariana, os irmãos do Theo, vivem muito bem a relação com o irmão com deficiência. No começo, todos ficaram assustados, lamentaram muito, questionaram por que com ele e por que com a gente?! Hoje, eu percebo que eles já absorveram, já sabem cuidar do irmão, sabem viver com seu irmão com todas suas diferenças, têm orgulho do irmão. O João, sobretudo, por morar junto e ter essa convivência mais intensa, vibra, participa, vê minha luta da tentativa de mudar o Teste do Pezinho. O João abriu mão de muitos momentos comigo, são muitas reuniões, viagens, muitos contatos para tentar mudar o Teste do Pezinho. Então, teve uma colaboração muito grande do João em relação a isso. Ele está sendo um adolescente irmão de uma criança atípica e é um adolescente bem solidário.
Eu acho que eles tem uma boa noção do que representa essa mudança do Teste do Pezinho, eles entenderam que nós somos uma família que estamos mudando a história. Para o Theo está tudo sempre ótimo, sempre rindo e feliz. Ele colabora muito nas reportagens, está sempre rindo para as câmeras. Para ele está tudo sempre muito bem. É realmente uma criança feliz.
10) Sabemos que todos os dias recebe centenas de mensagens de mães do Brasil. Qual mensagem gostaria de deixar para todas as mães do país?
Eu sempre tento deixar para as mães três mensagens principais. A primeira é que elas entendam a importância da gente entrar na luta para mudar esse Teste do Pezinho. A segunda é que elas entendam que, enquanto o Teste do Pezinho não se tornar mais completo, elas devem se organizar financeiramente para conseguir fazer o Teste do Pezinho Ampliado na rede particular de saúde. E a terceira é que, para as mães que têm seus filhos com deficiência, que elas acreditem que as coisas se ajeitam. No começo, é um furacão de emoções, de tristeza, de revolta, mas as coisas se ajeitam. As expectativas, os sonhos, o orçamento – que sofre um impacto muito grande, as coisas se ajeitam. O que não podemos deixar é o lado ruim dessa história dominar a vida da gente. Temos que viver bem feliz com eles e não apesar deles.
Vamos viver um dia de cada vez, valorizando as conquistas, respeitando também o espaço da mãe que às vezes está cansada e não está afim de ser mãe naquele momento, tudo bem. Também a gente precisa descansar, tirar um dia de folga e dormir fora, se ausentar por um tempo. Temos que parar para respirar. E se estiver doendo demais, acionar a rede. O que é a rede? Amigos de verdade, a família, e, se precisar, um médico. Um acompanhamento médico pode fazer grande diferença. Às vezes, é preciso tomar um remédio, às vezes é preciso ter um apoio por uma temporada, para ajudar a dar conta. E isso não é fraqueza, pelo contrário, é sabedoria. Aceitar a ajuda da família, dos amigos ou de um medicamento para a gente dar conta de estar bem para eles. E vida que segue, vamos viver bem com eles e não apesar deles.
11) Essa é a primeira vez no mundo que uma palestra do TEDx é a impulsionadora para criação de uma lei federal. Tem alguma mensagem que gostaria de deixar para o TEDxPUCMinas e seus voluntários e também para a PUC Minas que recepcionou esse evento?
Que vocês do TEDxPUCMinas saibam que essas histórias que vocês selecionam merecem ser compartilhadas e são de fato relevantes. Vocês sempre têm esse olhar curador, eficiente, para botar na plataforma de vocês palestras que movimentam a sociedade. É incrível a credibilidade que vocês conquistaram, justamente porque vocês trabalham bem, porque cumprem esse compromisso de compartilhar ideias que merecem ser compartilhadas. Muito mais do que oferecer histórias prazerosas para a gente ouvir, vocês oferecem para o Brasil e para o mundo a oportunidade de despertar na sociedade e no poder público uma inquietude. E isso move o mundo. Isso é muito bom. Vocês fizeram muita diferença nessa mudança do Teste do Pezinho do SUS. Vocês fazem parte dessa mudança. Eu sempre digo: obrigada Theo, obrigada Instituto Vidas Raras e, hoje, eu digo junto, obrigada TEDxPUCMinas.
*Larissa Carvalho é jornalista de TV Globo e uma das palestrantes do TEDxPUCMinas. Sua fala “Eu matei os neurônios do meu filho” viralizou nas redes sociais e comoveu o país e impulsionou a criação de uma lei para mudar o Teste do Pezinho do SUS.
*Leonardo Calcerano é organizador licenciado do TEDxPUCMinas. O TEDx é uma rede mundial de conferências sobre ideias que merecem ser espalhadas. O TEDxPUCMinas é o maior evento TEDx em universidades no Brasil.
O vídeo do TEDxPUCMinas está disponível aqui. Assista e compartilhe! 😉
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