A busca pelo equilíbrio emocional é um passo importante para lidar com tantas mudanças e com o medo e as incertezas do que virá neste momento tão delicado que estamos vivendo por causa da pandemia. Pensando nisso, conversamos com a psicóloga e arteterapeuta especializada em perinatalidade e parentalidade, Erika Novaes, e trouxemos alguns pontos que merecem uma reflexão e podem ajudar as famílias a tocarem esses dias de forma mais leve.
Compreender os próprios sentimentos, focar em fazer aquilo que der conta e pensar em ser um pai ou uma mãe possível e não ideal são alguns dos destaques elencados pela psicóloga para evitar trazer para si uma sobrecarga excessiva. Confira a entrevista!
MQA: O que as famílias precisam saber para manter o equilíbrio emocional nesse período de isolamento por causa da pandemia?
ERIKA NOVAES: O que mais fica marcante para mim, pelo que tenho escutado das famílias, é a questão da produtividade. Vivemos em uma sociedade que cobra dos indivíduos, de modo geral, um nível de produtividade e de excelência que, parecem não combinar com cuidar de um bebê ou uma criança. As mulheres, principalmente, ainda são muito exigidas em relação a como cuidam de seus filhes [a psicóloga refere-se aos filhos assim mesmo com ”e”, como forma neutra e inclusiva, para agregar todos os gêneros. E faz o mesmo com outras palavras no decorrer da entrevista].
Penso que, sobretudo no momento que estamos vivendo, carregar consigo o mantra “vou fazer aquilo que eu der conta”, e pensar em ser um pai ou uma mãe possível, e não ideal, pode ajudar a não trazer para si uma sobrecarga excessiva, neste momento tão delicado coletivamente.
MQA: Como lidar com tantas mudanças e principalmente com o medo e as incertezas do que virá?
ERIKA NOVAES: Pode ser muito difícil lidar com a falta de controle que, coletivamente, estamos sentindo frente ao futuro. Sentir medo é normal. Penso que, para além de pequenos atos cotidianos que quero trazer ao fim da entrevista, falar sobre o que sente é, talvez, uma das coisas que mais pode ajudar a compreender os próprios sentimentos e lidar com eles. É muito importante poder contar com uma rede de apoio (agora mediada pela tecnologia). Família, amigues… incluindo aqui a possibilidade de ser escutade por um profissional. Hoje, existem muitos serviços e profissionais de psicologia, que estão atuando no atendimento focal e emergencial, justamente para questões decorrentes da crise que estamos vivendo.
MQA: No caso das gestantes e puerperes (e não puérperas, como nos sugere), alguma recomendação específica para cuidar da saúde mental nesse período?
ERIKA NOVAES: Para além de tudo que está sendo dito, quem está esperando filhes ou quem acabou de receber um bebê ou uma criança (incluo sempre as famílias de adoção), pode contar com os grupos de apoio. Grupos de pré-natal psicológico, de puerpério, de adoção… Estes grupos formam redes de apoio importantes para que estas pessoas possam compartilhar experiências, medos e angústias específicas da fase de vida que estão vivendo, além de serem parte de uma continuidade de cuidados e de contato social, e estão, em sua maioria, funcionando online.
MQA: E como agir com as crianças para que essa situação seja encarada de forma mais leve e equilibrada?
ERIKA NOVAES: Pensar em coisas que sejam possíveis de serem mantidas na rotina é algo que pode fazer sentido e trazer uma sensação do conhecido e de conforto. Manter, por exemplo, os horários das refeições, dos tempos antes da quarentena. Ou manter um determinado ritual feito com as crianças, como ler uma história antes de dormir. Enfim, manter aceso tudo que seja possível, e que remeta àquilo que conhecíamos como confortável e “normal”, pode ajudar. Poder falar com as crianças sobre o que está acontecendo, sinalizando para elas os motivos pelos quais a nossa vida mudou em tantos aspectos, também pode fazer sentido.
Além disso, ter um momento de escutar delas como estão se sentindo e poder falar de como se sentem, junto com elas, as ajuda a auxilia também aos adultes, a elaborar e dar significado ao que estamos vivendo.
MQA: O que pode fazer a diferença nesse momento para a família manter a saúde mental?
ERIKA NOVAES: Um pouco de tudo que já foi dito. Falar sobre o que sente, escutar outres, tentar manter alguma rotina possível, atividade física, tomar sol, fazer planos de curto prazo ao invés de planejar à longo prazo, manter algum contato social quando sentir que é possível, dentre outras coisas. Mas principalmente, construir ou manter vínculos que formem rede de apoio. Essa rede, em tempos de isolamento não irá, muitas vezes, ofertar ajuda para troca de fraldas ou para segurar o bebê enquanto se descansa, mas vai ofertar acolhimento, escuta, contato social, sorrisos, compartilhamento de sentimentos de todos os tipos e, principalmente, a noção de que em alguma instância, estamos juntes e vamos passar por esta grande crise e transformação assim, estando juntes.
MQA: Fala-se muito sobre oportunidades na crise. Como você vê essa questão no contexto da saúde mental da família, essa crise provocada pela pandemia é mesmo uma oportunidade de algo? Você diria que dá para tirar alguma “lição” de tudo isso que estamos vivendo?
ERIKA NOVAES: Essa é uma proposta de reflexão longa. O que estamos vivendo é uma grande crise global. Esta crise afeta, do macro ao micro, do planeta ao nosso universo interno. Todas as instâncias estão lidando com os abismos e incertezas em que fomos lançados. Lidar com algo assim, requer que busquemos internamente e coletivamente, os recursos que temos para nos adaptar e formular novos meios de fazer absolutamente tudo.
Nosso “jeito” de existir está sendo chamado para um convite de mudança. Porque o jeito antigo não cabe mais, e não sabemos o que dele, ainda caberá. Portanto, como em todo período de crise, ao encontrarmos potências e recursos internos e externos para lidar com o que está acontecendo, uma nova oportunidade se apresenta à nós.
No entanto, este conceito de “lição de vida”, me parece falacioso. Esta possibilidade de re-significar o mundo, é um tanto elitista, visto que pessoas em maior situação de vulnerabilidade, estão ocupadas em usar seus recursos internos e externos para sobreviver. Então, tomar cuidado para não cairmos na onda “good vibes” e gastarmos tempo procurando as grandes lições positivistas que podemos tirar da situação atual, é importante.
Por agora, penso que é momento de re-conhecer os próprios recursos e buscar ajuda caso esteja difícil de fazer isso sozinhe. E usar estes recursos para lidar com as questões mais urgentes, como a elaboração dos lutos simbólicos de tudo que perdemos com a pandemia, e lutos reais, de todas as pessoas que já perdemos e que iremos, possivelmente perder. O que vem a partir daí, vai depender de como cada família, cada pessoa, irá se reorganizar. E o quanto, cada pessoa, vai dar conta de enxergar oportunidades em meio ao caos, vai depender dessas elaborações, da rede de apoio que tiver e das condições socioeconômicas que estiverem disponíveis.
Em suma, toda crise pode trazer mudanças positivas, mas romantizar as crises, colocando nelas, essa carga de caldeirão de possibilidades de um mundo melhor e de grandes transformações internas e/ou externas, pode mais gerar ansiedades e sentimentos de incapacidade, do que algo positivo de fato.
SOBRE A ENTREVISTADA:
Erika S. de Novaes (CRP. 06/102892) – Psicóloga e arteterapeuta, especializada em perinatalidade e parentalidade pelo Instituto Gerar de Psicologia Perinatal e Parental. Atua na área clínica com atendimento a gestantes, casais e puérperas, e facilitando grupos e oficinas terapêuticas. Também tem formação em educação perinatal, e ministra aulas, oficinas e palestras para profissionais da área e para famílias. É Curadora do Siaparto há 3 anos e diretora do Núcleo Anima há 6 anos. Instagram: @parentalidadepossivel / erika.parentalidadepossivel@gmail.com .